sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Solenidade da Epifania do Senhor

Ser Estrela

Os Magos chegaram a Belém guiados por uma Estrela. É que as pessoas são como Estrelas ou como cometas.

Os cometas passam, as Estrelas permanecem.

Há gente cometa que passa pela vida apenas por instantes, gente que não prende ninguém e a ninguém se prende, gente sem amigos que passa pela vida sem iluminar, sem guiar ou marcar presença.

O importante é ser Estrela, estar junto, ser luz, ser calor, ser vida. Um amigo é uma Estrela. Podem passar anos, podem surgir distâncias mas a marca fica no coração. Há necessidade de criar um mundo de Estrelas. Todos os dias poder contar com elas e poder sentir a sua luz e calor.

Ser Estrela neste mundo passageiro de pessoas cometas é um desafio e uma recompensa.

Recompensa por ter sido luz para muitos amigos, ter sido calor para muitos corações, ter nascido e ter vivido e não apenas existido.

Na nossa constelação cada Estrela tem o seu brilho próprio onde o importante não é brilhar mais mas brilhar sempre.

Há um autor desconhecido que escreveu: "Para que a sua Estrela brilhe, não é preciso apagar a minha."

Pe. José David Quintal Vieira, scj

davidvieira@netmadeira.com



Caríssimos irmãos na fé em Cristo Jesus,

Celebramos hoje a festa/solenidade da Epifania do Senhor. Esta festa é a revelação da bondade de Deus que deseja salvar a todos. O próprio termo “epifania” deriva do grego = epi+faneo, isto é, descobrir à volta, manifestar veladamente.

O Natal celebra Deus como que escondido na nossa natureza humana, enquanto a Epifania celebra a manifestação do Menino Jesus como Rei Universal – Reis dos Reis (ouro), como o Filho de Deus (incenso), e como Homem – Jesus dará a sua vida por amor (mirra).

Com a Epifania do Senhor, a Sua manifestação a todos os povos da terra, cumpre-se a profecia de Isaías, que ouvimos na 1.ª Leitura. A nova Jerusalém – a Igreja formada por todos os que procuram a Salvação prometida – é iluminada pela presença de Cristo, o Menino acabado de nascer em Belém. E, como diz a profecia, todos se hão-de reunir e caminhar ao Seu encontro. Até o salmista disse: “Virão adorar-Vos Senhor, todos os povos, todos os povos da terra”. Pois bem, Ele veio para todos, sem distinção de raças ou de origens, e quis manifestar-se também aos que não faziam parte do povo escolhido. Também esses – entre os quais nós estamos – são membros do mesmo corpo, o Corpo de Cristo que é a Igreja; beneficiam da mesma promessa de salvação, como lembra S. Paulo na 2.ª Leitura.

A festa da Epifania é por isso a festa de todos nós, que nos tornámos, pelo Baptismo, membros da Igreja de Cristo, do novo povo de Deus. A salvação de Deus é para todos, pois, até os povos pagãos, os Magos do Oriente, perceberam que esta notícia divina era para eles, e aliás foram eles os primeiros crentes!

No Evangelho, S. Mateus quer mostrar-nos que em Jesus se realizam as profecias do AT, acerca da vinda do Messias, e para isso serve-se do episódio tão conhecido de todos nós, da vinda dos Magos[1] à gruta de Belém. Estes Magos eram certamente homens habituados a observar os astros. Uma Estrela serviu-lhes de sinal para se porem a caminho; tinham pela frente uma longa viagem que nem sequer sabiam onde terminaria, e não é difícil imaginar as dificuldades e perigos que nessa época teriam encontrado. Mas nem por isso desanimaram… souberam reconhecer o convite de Deus e não fecharam os ouvidos ou o coração. Eis a primeira grande lição que nos dão. Quantos “sinais” nos coloca Deus no nosso caminho, ao longo da vida? De quantos modos não nos chama? Saberemos reconhecer esses sinais?

Irmãos caríssimos, é preciso um coração aberto, um coração atento, um coração que também tem de usar os olhos para ver e os ouvidos para ouvir. Eis-nos perante tão belo acontecimento, um acontecimento grandioso.

Os Magos representam aqueles que sentindo e percebendo que a Estrela os tocou e encontrou, acolhem-na, seguem-na, procuram aproximar-se dela, para depois poderem levar essa Luz, essa Palavra incarnada, a todos os que encontrarem pelos caminhos; à semelhança dos Magos, muitos outros e muitos sacerdotes foram vivendo este acolhimento da Palavra ao longo da história da Igreja. Hoje, sejamos leigos ou sacerdotes, é a nossa vez de o vivermos e nos deixarmos transformar por esse acolhimento da Palavra incarnada, que nos confronta permanentemente com a necessidade de a anunciar a todos; a Estrela do Natal que os Magos seguiram quer parar por cima do telhado de todas as famílias, quer ser contemplada e acolhida por todos os corações disponíveis.

A liturgia é uma acção total. Romano Guardini escreveu que só entenderemos a liturgia cristã se nos aproximarmos dela como uma criança se abeira de um brinquedo. Isto é, se mergulharmos completamente e com todos os sentidos (naturais e sobrenaturais), em apropriação e deleite (acomodação e prazer). Daí que partilho convosco que na passada semana recebi um presente muito interessante, um livro. Um livro de poesia reunida da autoria de José Augusto Mourão, que tem como título “O Nome e a Forma”. Este livro é um volume que reúne o fundamental das composições poéticas desse presbítero da Ordem dos Pregadores ou de São Domingos, que tem um importante percurso universitário no campo da Literatura e da Semiótica. Lá encontrei a seguinte poesia sobre a Epifania[2]:


Deus, foste tu que nos puseste

nos caminhos do tempo

e disseste à nossa vida que a esperança se cumpre

atravessando a noite sem bagagens

como os Magos à procura do presépio,

assim caminhamos para ti;

que nos guie a Estrela

para a prática das mãos, dos olhos e da esperança

e nos revele os perigos tortuosos;

que nos transporte a quadriga da justiça e da fortaleza

e que João Baptista, Estrela d’alva antes do dia que nasce,

nos indique o roteiro do teu Nome e do teu rosto

dá-nos também a companhia de Maria

que nos ajude a descortinar

as janelas do deserto e da alegria

santifica-nos, Deus, pelo fogo da consolação

e pelo fogo que acendeste entre todos nós aqui reunidos

na memória da tua Páscoa,

Deus do nosso berço e do nosso túmulo,

Que vens no Pai, no Filho e no Espírito Santo.


Uma vez que Magos estiveram atentos ao sinal que lhes foi enviado; responderam ao apelo que esse sinal lhes dirigia; escutaram os que conheciam a Palavra do Senhor. E puseram-se a caminho, para oferecer a Jesus os seus presentes.


UNKNOWN MASTER, German
Darmstadt Altarpiece: The Epiphany
1440s
Pine, 207x 109 cm
Staatliche Museen, Berlin



E nós, o que teremos nós, hoje, para lhe oferecer? Encarnemos as palavras escutadas nesta poesia: “como os Magos à procura do presépio, /assim caminhamos para ti”…

Encontraremos a salvação, uma vida nova, se procurarmos e nos colocarmos a caminho de Belém, como peregrinos, para seguir a Estrela, e fazer como os Magos, homens de sabedoria: “nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo…”!

Irmãos, por mais insignificante que seja a nossa vida, ela é bem mais valiosa que todo o ouro, incenso e mirra da terra. É ela a grande oferta que podemos fazer ao Menino de Deus que hoje e sempre nos espera, nos acolhe e nos salva.

Que assim seja!

Diác. PAULO JORGE

03.01.2010


[1] Dos magos, o Evangelho de Mateus diz alguma coisa mas o tempo inventou muito mais. Desde o séc. II que se pensa que eram três, a julgar dos três presentes deixados ao menino: ouro (prenda real), incenso (para o culto) e mirra (para ungir o cadáver). A tradição dos primeiros séculos, seguindo a verdade da fé, evidenciou que eram três os reis magos: Melchior, rei da Pérsia, Gaspar, da Arábia, e Baltasar, da Índia (no séc. III). Todos os três haviam recebido ordem de Deus para se reunirem na Pérsia a fim de se dirigirem a Belém, para onde haveriam de ser guiados pela estrela (estes dados são tirados de um evangelho escrito na Arménia, no séc. VI). Até o ano 474 seus restos mortais estiveram sepultados em Constantinopla, a capital cristã mais importante do Oriente, depois foram trasladados para a catedral de Milão, em Itália (séc. XII). Em 1164 foram transferidas para a cidade de Colónia, na Alemanha, onde foi erguida a belíssima Catedral dos Reis Magos, que os guarda até hoje. Mas, de facto, os evangelhos não dizem que tenham sido reis nem coisa parecida. Muito menos que são deles as relíquias de Colónia!

[2] José Augusto MOURÃO, O Nome e a Forma, Pedra Angular, 2009, 41.