quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Testemunho vocacional

É importante parar de vez em quando para dar graças a Deus pelo dom da vida! Tenho noção que sou apenas uma gota de água no imenso oceano da Sua maravilhosa criação. Hoje, passados dois meses da minha ordenação diaconal, não posso deixar de evocar esta expressão que li em algures: «sinto uma agitação frenética em todo o meu corpo que corre, que anda, que busca, que se agita». Este tempo de diaconado será propício para me adaptar a um novo contexto que exige uma nova visão, um desinstalar para agarrar com alegria esta nova etapa ao serviço do Povo de Deus.

Como alguém afirmara «o que urge fazer é deixar que Tu fales dentro de mim, e viver na profundidade das coisas e no contínuo esforço de Te buscar, no silêncio do Teu ministério». Este pensamento de grande profundidade revela a minha condição de peregrino em busca de luz, do mistério divino.

Mas como a vida é feita de memórias vivas, que me permitem «ser quem sou» hoje, apontarei humildemente a história da minha vida vocacional. Não sem dificuldades que tive de ultrapassar. Como tudo na vida, não foi nada fácil tomar esta decisão. Não obstante, sempre tive a firme convicção de que é preciso não ter medo de nos deixarmos moldar, transformar e de nos entregarmos ao Senhor da Messe.

Eis então a minha história!

Proveniente de um seio familiar cristão, desde cedo me entusiasmei com toda a vida de fé na minha família e na minha paróquia.

Assim, aos seis anos, comecei a perceber que fazia parte da Igreja, como membro de um grande e misterioso corpo. Desde novo que me senti também chamado a dar voz à Palavra e ao canto litúrgico no grupo coral, que me incutiu o gosto e a beleza da música de Deus.

Com o passar do tempo o meu pároco convidou-me a visitar o Seminário Menor e a ir aos encontros de Pré-Seminário que se faziam nas férias escolares. Participei, então, com mais três colegas durante dois anos seguidos e foi precisamente nessas viagens para Braga que comecei a pensar no meu futuro. Esses encontros foram importantes pois, entre muitas coisas, aí descobri sinais importantes para a minha vida e fiz novos conhecimentos com outros jovens, chamados para a mesma causa.

A partir destas maravilhosas experiências fiquei a pensar na hipótese de ingressar no Seminário, chegando à conclusão que gostaria de assumir essa vida «diferente» – a de seminarista.

Contudo, havia um entrave sério! Devido às dificuldades financeiras dos meus pais acabei por ter de adiar o meu ingresso no Seminário. Porém, em 1998, o meu novo pároco, com amizade e insistência, reavivou-me o desafio de estudar no Seminário. Sentindo o seu apoio incondicional e da paróquia, aceitei esse repto com toda a convicção! Em Setembro, desse mesmo ano, iniciei o meu projecto de discernimento vocacional, de entrega a Cristo, o Bom Pastor.

Desde a minha entrada que uma nova vida se iniciou, marcada por quatro dimensões novas a explorar: a vertente humana, espiritual, académica e pastoral.

Os primeiros tempos foram duros! As saudades da família, da gente com quem convivia e da minha terra eram muitas. A adaptação levou tempo a digerir porque o regime comunitário do Seminário era diferente do meu ambiente familiar.

Arrepiando caminho e sem olhar para trás cheguei ao fim do secundário… Todavia, deparei-me com um obstáculo… No final do 12.º ano, tive que parar! Por sorte ou por azar, chumbei a uma disciplina. Prevendo as consequências deste «azar», nesse ano escolar inactivo, em 2002/2003, para «recompensar» os meus pais, trabalhei durante três meses na construção civil e outros três como recepcionista num Hotel.

Apesar de tudo não desisti! No final desse mesmo ano fiz os exames nacionais e consegui ultrapassar mais uma barreira, entendendo que deveria prosseguir os meus estudos e respectiva formação no Seminário Maior. Aqui, já num contexto de Faculdade e de rumo mais intenso ao sacerdócio, tive que me habituar a alguns sacrifícios, a ter de estudar mais afincadamente, a assumir a oração como fundamento da minha vida, a reencontrar a beleza da espiritualidade cristã, a enunciar ao supérfluo e a esforçar-me para ultrapassar certas etapas, para encontrar Cristo e com Ele servir a Igreja.

Durante todo este percurso descobri que este chamamento contribuiu para o desenvolvimento das capacidades e dons recebidos de Deus. Quando assumimos a vocação com seriedade e sinceridade, encontramos o caminho da felicidade, que, afinal, é o caminho de Deus, de modo a vivermos o nosso compromisso de serviço aos outros, na caridade genuína e gratuita.

Para isso, talvez valha a pena o esforço de «aproximar da boca de Deus o ouvido do nosso coração», como referia S.to Agostinho. Não podemos sentir vergonha de procurar Aquele que «é mais doce que todo o prazer (…), mais resplandecente que toda a luz, mais oculto que todo o segredo, mais sublime que toda a honra (…)», como afirmara ainda o bispo de Hipona. Contudo, não nos desiludamos! Deus quer a nossa felicidade e quer que sejamos felizes, aqui e agora. Deus lança-nos na grande viagem da vida. Ele tem um projecto para cada um de nós, e nós temos a vocação, cujo o fundamento principal é o Amor, pois só ele é que nos faz permanecer firmes na opção que tomamos. Exemplo disso é o diálogo de Jesus com Simão Pedro. O Mestre não lhe pergunta pelas suas capacidades e/ou se tinha coragem para a missão que iria receber, mas simplesmente o questionou se O amava: «Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes?» (Jo 21, 15).

Todo o meu caminho percorrido até hoje nem sempre teve o mesmo ritmo e entusiasmo. Ao longo do percurso foram várias as adversidades, hesitações, inquietações, indecisões… Foi e é todo um caminho de exigência e de entrega. Como baptizados em Cristo Jesus, cabe-nos olhar para o futuro com optimismo e esperança, para sermos homens da Palavra e da esperança evangélica num mundo ávido de transcendência.

Ser sacerdote é ser profeta, enviado em nome de Deus, para anunciar a salvação a todos os povos. Ser sacerdote é predispor-se a escutar primeiro a Palavra que vem do alto, numa abertura do coração, que faz de nós discípulos verdadeiros de Cristo. Viveiro e gérmen de vocações, o Seminário ajuda-nos a aprender a caminhar como discípulos e a escutar o Mestre, a fim de aprofundarmos e discernirmos o nosso futuro rumo ao sacerdócio.

Seduzido pela beleza infinita de Deus, como aprendiz e iniciado na Sua escola do Amor, deixo com este simples mas sincero testemunho, de quem procura encontrar Cristo todos os dias, um apelo a todos os jovens: «não temais», não há que ter medo de ser profetas, porque não voltardes o vosso olhar para Cristo e O seguirdes? Senhor Jesus, dá-nos a coragem de responder à pergunta que pessoalmente nos fazes: «Tu amas-me?» e de, como Tu, sem reservas nem condições, doarmos a nossa vida por amor e fidelidade ao Reino.

Diácono Paulo Sá

13.07.2009